Papa Francisco no encontro com bispos, padres, religiosos e agentes pastorais / Captura de vídeo
REDAÇÃO CENTRAL, 15 set. 22 / 08:28 am (ACI).- Em seu terceiro dia de visita ao Cazaquistão, o papa Francisco teve um encontro com os bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados, seminaristas e agentes pastorais na catedral de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
A seguir, o texto completo do discurso do papa Francisco:
Amados irmãos bispos, sacerdotes e diáconos, caros consagrados e consagradas, seminaristas e agentes pastorais, bom dia!
Estou feliz por me encontrar aqui no vosso meio, saudar a Conferência Episcopal da Ásia Central e ver uma Igreja feita de muitos rostos, histórias e tradições diferentes, mas todos unidos por uma única fé em Cristo Jesus. D. Mumbiela Sierra, cujas palavras de saudação agradeço, disse: «Na maior parte, somos estrangeiros». É verdade, porque vindes de lugares e países diferentes, mas a beleza da Igreja está nisto: em sermos uma única família, na qual ninguém é estrangeiro. Repito: ninguém é estrangeiro na Igreja, somos um único Povo santo de Deus, rico de tantos povos! E a força do nosso povo sacerdotal e santo está precisamente em fazer da diversidade uma riqueza através da partilha daquilo que somos e temos; a nossa pequenez multiplica-se, se a partilharmos.
Afirma-o precisamente a passagem da Palavra de Deus escutada: o mistério de Deus – diz São Paulo – foi revelado a todos os povos; não só ao povo eleito ou a uma elite de pessoas religiosas, mas a todos. Todo o homem pode ter acesso a Deus, porque – como explica o Apóstolo – todos os povos «são admitidos à mesma herança, membros do mesmo corpo e participantes da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho» (Ef 3, 6).
Gostaria de sublinhar duas palavras usadas por Paulo: herança e promessa. Uma Igreja, por um lado, sempre herda uma história, é sempre filha dum primeiro anúncio do Evangelho, dum evento que a precede, doutros apóstolos e evangelizadores que a estabeleceram sobre a palavra viva de Jesus; por outro, é também a comunidade daqueles que viram cumprir-se em Jesus a promessa de Deus e, como filhos da ressurreição, vivem na esperança da sua realização futura. É verdade! Somos destinatários da glória prometida, que anima com a esperança o nosso caminho. Herança e promessa: a herança do passado é a nossa memória, a promessa do Evangelho é o futuro de Deus que vem ao nosso encontro. Gostaria de me deter nisto convosco: uma Igreja que caminha na história entre memória e futuro.
Em primeiro lugar, a memória. Se hoje neste vasto país, multicultural e multirreligioso, podemos ver comunidades cristãs vibrantes e um sentido religioso que permeia a vida da população, deve-se sobretudo à rica história que vos precedeu. Penso na difusão do cristianismo na Ásia central, que sucedeu já nos primeiros séculos, penso em tantos evangelizadores e missionários que se dedicaram a difundir a luz do Evangelho, fundando comunidades, santuários, mosteiros e lugares de culto. Existe, pois, uma herança cristã, ecuménica, que deve ser honrada e guardada, uma transmissão da fé que viu como protagonistas também muitas pessoas simples, tantos avôs e avós, pais e mães. No caminho espiritual e eclesial, não devemos perder a lembrança de quantos nos anunciaram a fé, porque fazer memória ajuda-nos a desenvolver o espírito de contemplação das maravilhas que Deus operou na história, mesmo no meio das fadigas da vida e das fragilidades pessoais e comunitárias.
Mas tenhamos cuidado! Não se trata de olhar para trás com nostalgia, ficando bloqueados nas coisas do passado e deixando-nos paralisar no imobilismo: esta é a tentação de retroceder. Quando se volta para fazer memória, o olhar cristão pretende abrir-nos à estupefação perante o mistério de Deus, enchendo o nosso coração de louvor e gratidão por tudo o que realizou o Senhor. Um coração agradecido, que transborda de louvor, não cultiva lamentos, mas acolhe como uma graça o hoje que vive. E quer pôr-se a caminho, ir para diante, comunicar Jesus, como as mulheres e os discípulos de Emaús no dia de Páscoa.
É esta memória viva de Jesus que nos enche de maravilha e nos faz tirar sobretudo do Memorial eucarístico a força de amor que nos impele. É o nosso tesouro. Por isso, sem memória, não há estupefação. Se perdemos a memória viva, então a fé, as devoções e as atividades pastorais correm o risco de esmorecer, sendo como fogos de palha que acendem imediatamente mas depressa se apagam. Quando perdemos a memória, esgota-se a alegria; e esmorece também a gratidão a Deus e aos irmãos, porque caímos na tentação de pensar que tudo depende de nós. O padre Ruslan lembrou-nos uma coisa boa: já é muito o ser padre, porque, na vida sacerdotal, apercebemo-nos de que não é obra nossa aquilo que acontece, mas dom de Deus. E a irmã Clara, ao falar da sua vocação, quis antes de tudo agradecer àqueles que lhe anunciaram o Evangelho. Obrigado por estes testemunhos, que nos convidam a fazer grata memória da herança recebida.
Se olharmos para esta herança, que vemos? Vemos que a fé não foi transmitida de geração em geração como um conjunto de coisas que se devem compreender e fazer, como um código fixo duma vez por todas. Não! A fé passou com a vida, com o testemunho que levou o fogo do Evangelho ao coração das situações para iluminar, purificar e difundir o calor consolante de Jesus, a alegria do seu amor que salva, a esperança da sua promessa. Assim, ao fazer memória, aprendemos que a fé cresce com o testemunho; o resto vem depois. Isto é um apelo para todos e quero reiterá-lo a todos, fiéis-leigos, bispos, sacerdotes, diáconos, consagrados e consagradas que trabalham de variados modos na vida pastoral das comunidades: não nos cansemos de testemunhar o coração da salvação, a novidade de Jesus, a novidade que é Jesus! A fé não é uma bela exposição de coisas do passado – isto seria um museu –, mas um evento sempre atual, o encontro com Cristo que acontece aqui e agora na vida. Por isso não se comunica apenas com a repetição das coisas de sempre, mas transmitindo a novidade do Evangelho. Assim a fé permanece viva e tem futuro; por isso gosto de dizer que a fé deve ser transmitida «em dialeto».
E vemos aparecer aqui a segunda palavra: futuro. A memória do passado não nos fecha em nós mesmos, mas abre-nos à promessa do Evangelho. Jesus garantiu-nos que estaria sempre conosco: por conseguinte não se trata duma promessa que aponta apenas para um futuro distante, mas somos chamados a acolher hoje a renovação que o Ressuscitado leva por diante na vida. Apesar das nossas fraquezas, Ele não Se cansa de estar conosco, construindo juntamente conosco o futuro da sua e nossa Igreja.
Com certeza, à vista de tantos desafios da fé – especialmente relativos à participação das jovens gerações –, bem como dos problemas e fadigas da vida e perante a leitura das estatísticas na vastidão dum país como este, poder-se-ia sentir «pequenos» e inadequados. Contudo, se adotarmos o olhar esperançoso de Jesus, faremos uma descoberta surpreendente: o Evangelho diz que ser pequeno, pobre em espírito, é uma bem-aventurança, a primeira bem-aventurança (cf. Mt 5, 3), porque a pequenez entrega-se, humildemente, ao poder de Deus e leva-nos a não apoiar a ação eclesial sobre as nossas capacidades. Isto é uma graça! Repito: há uma graça escondida no facto de se constituir uma pequena Igreja, um pequeno rebanho; em vez de exibir as nossas forças, os nossos números, as nossas estruturas e todas as outras formas de relevância humana, deixamo-nos guiar pelo Senhor e colocamo-nos, com humildade, ao lado das pessoas. Ricos de nada, pobres de tudo, caminhamos com simplicidade, próximo das irmãs e irmãos do nosso povo, levando às situações da vida a alegria do Evangelho. Como fermento na massa e como a menor das sementes lançadas à terra (cf. Mt 13, 31-33), vivemos os acontecimentos felizes e tristes da sociedade onde vivemos para a servir a partir de dentro.
Ser pequeno lembra-nos que não somos autossuficientes: que precisamos de Deus, mas também dos outros, de todos eles: das irmãs e irmãos doutras confissões, de quem professa um credo religioso diferente do nosso, de todos os homens e mulheres animados de boa vontade. Damo-nos conta, com espírito de humildade, de que só juntos, no diálogo e no acolhimento recíproco, se pode verdadeiramente realizar algo de bom para todos. É a tarefa peculiar da Igreja neste país: não um grupo que se arrasta nas coisas de sempre ou se fecha na própria concha porque se sente pequeno, mas uma comunidade aberta ao futuro de Deus, abrasada pelo fogo do Espírito: viva, esperançosa, disponível às novidades d’Ele e aos sinais dos tempos, animada pela lógica evangélica da semente que frutifica no amor humilde e fecundo. Deste modo, abre caminho não só para nós, mas realiza-se também para os outros, a promessa de vida e de bênção que Deus Pai derrama sobre nós por meio de Jesus.
E realiza-se sempre que vivemos a fraternidade entre nós, que cuidamos dos pobres e de quem está ferido na vida, sempre que testemunhamos a justiça e a verdade nas relações humanas e sociais, dizendo «não» à corrupção e à falsidade. Que as comunidades cristãs, em particular o Seminário, sejam «escolas de sinceridade»: não ambientes rígidos e formais, mas ginásios de treino para a verdade, a abertura e a partilha. E recordemo-nos de que, nas nossas comunidades, somos todos discípulos do Senhor: todos discípulos, todos essenciais, todos com igual dignidade. Não só os bispos, os sacerdotes e os consagrados, mas todos os batizados foram imersos na vida de Cristo e n'Ele – como nos recordava São Paulo – são chamados a receber a herança e acolher a promessa do Evangelho. Por isso deve-se dar espaço aos leigos: far-vos-á bem, para que as comunidades não se tornem rígidas nem se clericalizem. Uma Igreja sinodal, em caminho para o futuro do Espírito, é uma Igreja participativa, corresponsável. É uma Igreja capaz de sair ao encontro do mundo, porque treinada na comunhão. Surpreendeu-me que isto aparecesse em todos os testemunhos: não só o padre Ruslan e as irmãs, mas também Kirill, pai de família, lembraram-nos que na Igreja, em contato com o Evangelho, aprendemos a passar do egoísmo ao amor incondicional. É a saída de si mesmo, de que todo o discípulo tem constante necessidade; precisa de alimentar o dom recebido no Batismo, que em todo o lado, nos nossos encontros eclesiais, nas famílias, no trabalho, na sociedade, nos impele a tornar-nos homens e mulheres de comunhão e de paz, que semeiam o bem onde quer que se encontrem. A abertura, a alegria e a partilha são os sinais da Igreja primitiva; mas são também os sinais da Igreja do futuro. Sonhemos e, com a graça de Deus, construamos uma Igreja mais habitada pela alegria do Ressuscitado, que rejeite medos e lamentos, que não se deixe endurecer por dogmatismos e moralismos.
Amados irmãos e irmãs, peçamos tudo isto às grandes testemunhas da fé deste país. Quero recordar em particular o Beato Bukowiński, sacerdote que gastou a sua existência a cuidar dos doentes, dos necessitados e dos marginalizados, pagando a fidelidade ao Evangelho na própria pele com a prisão e os trabalhos forçados. Disseram-me que, ainda antes da sua Beatificação, havia sempre flores frescas e uma vela acesa no seu túmulo. É a confirmação de que o povo de Deus sabe reconhecer onde existe a santidade, onde há um pastor apaixonado pelo Evangelho. Quero dizer de modo particular aos bispos e aos sacerdotes, mas também aos seminaristas, que a nossa missão não é ser administradores do sagrado ou polícias preocupados em fazer respeitar as normas religiosas, mas pastores próximos do povo, ícones vivos do coração compassivo de Cristo. Recordo também os Beatos mártires greco-católicos, o Bispo D. Budka, o padre Zaryczkyj e Gertrude Detzel, cujo processo de beatificação já começou. Eles, como nos disse a senhora Miroslava, trouxeram o amor de Cristo ao mundo. Vós sois a sua herança: sede promessa de novas santidades!
Estou unido a vós e vos encorajo: vivei com alegria esta herança e testemunhai-a com generosidade, para que quantos encontrardes, possam dar-se conta de que há uma promessa de esperança também para eles. Acompanho-vos com a oração e, agora, confiemo-nos de modo particular ao Coração de Maria Santíssima, que venerais de modo especial como Rainha da Paz. Li algures este admirável sinal materno, que aconteceu em tempos difíceis: enquanto muitas pessoas deportadas estavam condenadas a passar fome e frio, Ela, Mãe terna e carinhosa, escutou a prece que os seus filhos Lhe dirigiam. Num dos invernos mais rígidos, a neve derreteu-se rapidamente fazendo emergir um lago com muitos peixes, que saciaram tantas pessoas famintas. Que Nossa Senhora derreta o frio dos corações, infunda nas nossas comunidades um renovado calor fraterno e nos dê esperança e um novo entusiasmo pelo Evangelho! Com afeto, vos abençoo e agradeço. E peço-vos, por favor, que rezeis por mim.
Fonte: ACI digital
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