22 Julho 2020
Elas eram mestras. Uma era bibliotecária. Uma diretora de formação religiosa. Outra trabalhou de secretária na Secretaria de Estado do Vaticano. Uma outra escreveu um livro de história da congregação com 586 páginas. Uma era organista. Uma outra ainda ajudou uma turma de segunda série a escrever e gravar um comercial para a Campbell Soup Company. Uma era enfermeira e coordenava as viagens em missão de alunas de enfermagem ao Haiti.
A reportagem é de Dan Stockman, publicada por National Catholic Reporter, 20-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Todas faziam parte da Congregação das Irmãs de São Félix de Cantalice, conhecidas como irmãs felicianas. Viviam juntas, rezavam juntas e trabalhavam juntas.
E em um mês terrível – da Sexta-feira Santa, 10 de abril, a 10 de maio –, doze irmãs morreram de covid-19. Outras dezoito irmãs do convento de Livonia, no estado do Michigan, adoeceram por causa do novo coronavírus também.
“Não conseguimos conter a dor e a tristeza, nem o impacto emocional”, diz a Irmã Noel Marie Gabriel, diretora dos centros clínicos de saúde da congregação religiosa na América do Norte. “Fizemos tudo o que tínhamos de fazer, mas aquele mês foi tudo extremamente difícil. Foi o nosso momento mais trágico. Um mês de tragédias, tristeza, luto e dor”.
Mas enquanto o mundo lida com as consequências econômicas e sociais da pandemia, sobreviventes têm revelado que o vírus pode causar um dano duradouro e que uma recuperação pode não significar a volta à saúde plena: uma das dezoito irmãs que inicialmente sobreviveram à doença morreu de seus efeitos em 27 de junho, fazendo dela a 13ª vítima do convento de Livonia.
Embora irmãs estejam morrendo ao redor do mundo por causa do vírus, ninguém tem monitorado estes dados. Reportagens mostram que, em 16 de julho, além das treze felicianas de Livonia, pelo menos dezenove outras irmãs faleceram nos EUA, incluindo uma irmã feliciana no convento de Lodi, em Nova Jersey; seis irmãs de duas comunidades de um convento na região de Milwaukee, em Wisconsin; e três irmãs Maryknoll em Ossining, Nova York.
No mundo, pelo menos 61 religiosas já morreram, entre elas 10 irmãs Combonianas no norte da Itália; 7 irmãs de Santa Cruz, em Montreal; 7 irmãs ursulinas na região de Montreal; 6 irmãs de Santa Ana, em Quebec; e 6 pequenas irmãs Missionárias da Caridade, no norte da Itália.
Nos Estados Unidos, as treze felicianas que morreram em Livonia podem representar, em número, o pior caso entre as comunidades religiosas desde a pandemia de gripe espanhola, em 1918. E por causa das restrições em vigor para evitar um retorno do vírus, o luto dessas irmãs ainda está por começar.
Todas as atividades comunitárias ou estão proibidas ou foram severamente limitadas. As irmãs não puderam ir aos funerais. Houve limites no número de pessoas autorizadas a entrar na capela. Elas não podiam entrar nos quartos umas das outras. Realizavam as refeições em mesas separadas, uma mesa para cada irmã; as jantas eram feitas em três turnos.
Desde 6 de julho elas já podem se sentar em duas por mesa. Mas todas as demais restrições ainda se aplicam.
A comunidade tinha 65 irmãs antes da pandemia. Hoje, as irmãs restantes temem o dia em que poderão se reunir em grupo e ver quantas não mais se fazem presentes.
“Sinto calafrios quando penso nisso”, diz a Irmã Mary Andrew Budinski, superiora do convento de Livonia. “A tristeza, pura e simples, ainda está por vir, penso eu”.
“Pareceu um incêndio florestal”
À medida que a pandemia avançou nos EUA em março, o mesmo ocorreu com as restrições no convento: sem visitas, sem saídas para fazer compras, sem atividades grupais.
Inicialmente, não se rezava mais a missa, só havia a celebração, sem missa, porque o padre não tinha a permissão de entrar no convento. Então, cancelaram-se as celebrações eucarísticas, e a Comunhão passou a ser distribuída às irmãs em seus quartos. Em 9 de abril, Quinta-feira Santa, até isso acabou.
Todas sabíamos que se o vírus atingisse o convento, seria péssimo. Mas não imaginaríamos que seria tudo tão rápido assim – Irmã Mary Ann Smith
A Irmã Joyce Marie Van de Vyver fala que as restrições continuaram, suprimindo a vida comunitária que estas irmãs tanto prezavam. Segundo ela, a Comunhão se tornou cada vez mais importante, deixando a vida ainda mais difícil quando a sua distribuição se encerrou.
“Temos um senso muito mais forte de crença e aceitação da validade da comunhão espiritual”, diz a irmã. “É tudo o que temos”.
A propriedade de 360 acres era o lar de 800 irmãs na década de 1960, mas a vida no convento, hoje, passou a centrar-se em torno da capela e de dois salões onde as irmãs vivem. Grande parte do edifício, que data de 1937, está sem uso.
O primeiro andar do Salão St. Joseph, ala de três pisos do convento, serve para as irmãs que precisam dos serviços de enfermagem 24 horas por dia. O segundo andar dedica-se às irmãs que precisam de alguma ajuda para realizar suas tarefas, enquanto o terceiro serve às que não dependem de ajuda.
Embora as visitas já estavam proibidas desde 14 de março, o convento continuou com os funcionários que realizam tarefas essenciais, entre eles as equipes de enfermagem, auxiliares de enfermagem e colaboradores para a alimentação. Depois, estes começaram a adoecer.
“Primeiro ouvi que dois auxiliares contraíram o vírus”, diz a Irmã Andrew. “Não sabemos quem eram, nem queremos saber. Depois, foram as irmãs do segundo andar, e daí pareceu um incêndio florestal”.
Na sequência, veio a primeira morte: A Irmã Mary Luiza Wawrzyniak, de 99 anos, na Sexta-feira Santa, 10 de abril.
Aí começou uma nova realidade. Quase todas as tradições que as irmãs guardavam quando uma delas morria precisaram ser suspensas. Elas puderam realizar o funeral, mas só dez tiveram permissão para comparecer. Aquelas que foram ao enterro, tiveram de ir em carros separados. Não houve abraços.
“Ainda não tínhamos entendido esse processo de oclusão que estava havendo”, diz a Irmã Joyce.
Quando irmãs adoeceram por causa da covid-19, as demais não puderam lhes dar os cuidados. Elas não podiam se ver, nem conversar ou dar conforto.
A fé que compartilhamos com as irmãs quando elas morrem, as orações que compartilhamos com as irmãs enquanto elas estão morrendo: sentimos a falta de tudo isso. Essas coisas afetaram a nossa vida religiosa – Irmã Joyce Marie Van de Vyver
A Irmã Nancy Jamroz, companheira de mesa da Irmã Luiza nas refeições, diz que ninguém sabia que a Irmã Luiza estava com o vírus. Ela foi ao hospital por palpitações no coração.
“Todo mundo dizia: ‘Em poucos dias ela vai estar de volta’”, lembra a Irmã Nancy. “A Irmã Luiza nunca mais voltou”.
Isso virou um padrão. Uma irmã ia para o hospital durante a noite porque não conseguia respirar, mas telefonaria pela manhã para dizer que estava se sentindo melhor e que estaria em casa em dois ou três dias. Depois vinha a notícia de que havia morrido.
“Era exatamente aquilo que ouvíamos sobre o vírus”, diz Nancy. “Ele é cruel e rápido”.
A comunidade perdeu outras quatro irmãs naquela primeira semana. A Irmã Celine Marie Lesinski, de 92 anos, e a Irmã Mary Estelle Printz, de 95 anos, morreram no domingo de Páscoa, 12 de abril, dois dias depois da Irmã Luiza. A Irmã Thomas Marie Wadowski, de 73 anos, veio a falecer em 15 de abril. Depois, a Irmã Mary Patricia Pyszynski, de 93 anos, no dia 17 do mesmo mês.
A Irmã Nancy diz que foi difícil aceitar aquilo que estava acontecendo com a comunidade. O isolamento necessário fez com que as religiosas soubessem das mortes de suas companheiras pelo interfone, no anúncio geral feito às 13 horas.
“Começamos a ficar sem reação”, diz ela. “Vem a notícia da morte número 8, depois mais uma outra... Ficamos sem ter como reagir”.
A falta de um encerramento perpetua o sentimento de que nada disso é real.
“Uma parte da nossa tradição é contar histórias da irmã que morre na noite em que realizamos a vigília, dividindo momentos felizes que tivemos juntas”, diz a Irmã Nancy. “Ganhamos um exemplar com sua biografia e um cartão sagrado, mas nada disso tem acontecido. Parece que esta porta ainda está aberta”.
A Irmã Joyce disse que quando a fé tem raízes na tradição, uma quebra nestas tradições parece mudar tudo. “A fé que dividimos com as irmãs quando elas morrem, as orações que dividimos com as irmãs enquanto elas estão morrendo: sentimos a falta disso tudo”, afirmou. “Essas coisas afetaram a nossa vida religiosa”.
“Nenhuma de nós é a mesma”
Fechar o convento era um anátema às irmãs. Elas dedicaram a vida ao serviço do outro. Assim, no dia 13 de março, um dia antes de fecharem as portas para o mundo exterior, dez das irmãs foram às escadas da capela e seguraram uma faixa para a comunidade de Livonia que dizia: “Estamos com vocês em oração”.
“Não estamos escondidas por trás dessas paredes”, diz a Irmã Joyce. “Sempre vamos estar orando pelo mundo e, especialmente, pelo povo de Livonia”.
Mas, hoje, as coisas mudaram, disse ela. “Agora é: ‘Irmãs, estamos orando por vocês’. O número de cartões e cartas que recebemos é inacreditável”.
As religiosas também acreditam que há outras pessoas a rezar por elas e que não podemos ver: as irmãs que faleceram.
“Têm dias que falo: ‘Deus, temos doze irmãs aí em cima, assim como os doze apóstolos”, disse a Irmã Joyce em 10 de junho, antes que o número de morte na comunidade subisse para treze. “Quem conheceu essas irmãs sabe que agora temos companheiras no céu. Elas olham lá de cima, certificando-se de que estamos bem”.
“Não penso que foi uma coincidência tudo isso começar na Quaresma, e que o pior momento tenha começado na Semana Santa”, diz a Irmã Mary Ann.
Não está claro ainda de que modo, mas cada uma das irmãs desta comunidade religiosa mudou.
“Não estamos tendo contato o suficiente, umas com as outras, para saber o quanto mudamos, mas posso dizer que somos pessoas diferentes do que éramos em março”, disse. “Nenhuma de nós é a mesma”.
Algumas delas, inclusive a Irmã Mary Ann, achavam que suas vidas não apenas estavam mudando, mas acabando. Mary esteve infectada desde meados de abril até o final de maio.
“Eu fiquei tão doente que rezei para o Senhor me levar, de tanto dor que sentia”, lembra a religiosa.
A Irmã Andrew também achou que havia chegado ao fim. Ela ficou doente durante um mês, de meados de abril a meados e maio.
“Realmente achei que iria morrer”, diz a irmã. “Eu me rendi. Dizia: ‘Deus, se quiser me levar, estou pronta’. Então me acordava no dia seguinte e ainda estava viva. Assim, de alguma forma, melhorei”.
Este vírus é, ao mesmo tempo, aleatório e rápido.
“Tivemos irmãs na casa dos 90 anos que sobreviveram, e irmãs muito mais jovens que se foram”, disse a Irmã Mary Serra Szalaszewicz. “O ministério delas acabou. As outras ainda devem ter algum ministério a realizar, alguma função ainda por fazer”.
As que sobreviveram, no entanto, não sabem o porquê.
“A gente se pergunta: ‘Por que estou aqui quando estas irmãs se foram?’”, diz Mary Ann. “Valorizo o tempo que ganhei, mas ainda não tenho certeza do que fazer com ele”.
A Irmã Bernadette Marie Jimkoski, que adoeceu durante todo o mês de abril, disse ser difícil ver algum significado nisso tudo.
“Quando fiquei doente, houve momentos em que fiquei furiosa com Deus. Tipo: ‘Por que está fazendo isso?’”, disse. “Houve momentos em que queria morrer”.
A comunidade perdeu três irmãs em três dias em meados de abril: a Irmã Mary Clarence Borkoski, 83 anos, em 20 de abril; a Irmã Rose Mary Wolak, 86 anos, em 21 de abril; e a Irmã Mary Janice Zolkowski, 86 anos, em 22 de abril.
Segundo a Irmã Andrew, nesses dias elas ouviam: “Outra irmã. Outra irmã. Outra irmã. Foi assustador”.
As felicianas contam com 469 irmãs em seis grandes conventos na América do Norte. Dessas, somente os conventos de Livonia e Lodi tiveram casos de covid-19. Lodi teve doze casos do vírus, com uma morte.
“Disso eu me orgulho”, falou a Irmã Noel Marie. “Porque soubemos o que fazer, pudemos salvar todas essas irmãs”.
Não foi fácil. Como o restante das populações de idosos, nós lutamos para receber os equipamentos de proteção individual necessários. Não somos um lar de idosos licenciado, então não estávamos no topo da lista dos que teriam prioridade”, disse. “Não que não pudéssemos comprar os materiais. Aconteceu que não havia material disponível para a venda”.
Apesar de não ser uma instalação licenciada, a Irmã Noel Marie diz que o cuidado que as irmãs recebem no convento é de alta qualidade.
“Creio que superamos as casas de saúde cinco estrelas”, diz a religiosa. “Temos níveis de excelência em nosso setor de pessoal. Também na longevidade dos funcionários. (...) Temos profissionais disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, melhor do que muitas outras instalações do mesmo tipo. Adotamos as melhores práticas”.
O vírus também atingiu os funcionários que cuidam das irmãs. Uma irmã era suspeita de ter contraído o vírus, mas a enfermeira que a cuidava ficou do seu lado mesmo assim, apesar do risco de ela própria se infectar. Uma outra funcionária pegou o vírus, mas tinha um parente idoso em casa. Então, ela ficou no quarto dos convidados, no próprio convento, por algumas semanas até se recuperar.
E houve os voluntários, aqueles que, por vontade própria, vieram do país inteiro para trabalhar em um lugar onde a morte percorria os corredores.
“Uma dessas pessoas trabalhava com recursos humanos, mas era também auxiliar de enfermagem. Ela chegou aqui e foi direto para trabalhar. Essas pessoas deixaram suas famílias e se arriscaram por nós, no momento de auge do vírus”, diz Andrew.
Era como se elas nunca fossem para casa, trabalhando seis ou sete dias por semana.
A Irmã Noel Marie disse que não pensar sobre o assunto ajudou-lhe a passar por estes tempos difíceis. “Seguimos em frente”, disse a religiosa. “Precisávamos ajudar as irmãs a sobreviver e a proteger as irmãs que não haviam contraído o vírus”.
O que foi deixado para trás
Não pensar sobre a dor e apenas fazer o que precisa ser feito é um mecanismo comum que as pessoas utilizam para lidar com os momentos difíceis. Mas, a certa altura, o trauma deve ser tratado.
“Todos temos o estresse pós-traumático”, diz a Irmã Noel Marie. “Não uma síndrome do estresse pós-traumático pleno, mas alguns indícios dele. Não foi possível passar pelo momento de luto devido à urgência da situação. Agora, estamos tendo pesadelos, crises de ansiedade, angústia emocional”.
É preciso lidar com a provação, e as pessoas necessitam contar suas histórias, segundo a religiosa, o que não é fácil, pois elas não podem se reunir.
“Essa dor, esse luto e essas conversas, precisamos falar sobre tudo isso, compartilhar com as pessoas”, explicou a Irmã Noel Marie. “Dizemos: ‘Cada uma de nós tem uma história pessoal e temos a nossa história comum, e todas elas precisam vir à tona’”.
A Irmã Serra, quem, como a Irmã Mary Ann, esteve doente de meados de abril até o final de maio, falou que encontrou conforto na religião.
“Tenho uma imagem do Bom Pastor. É a imagem em que ele conduz a ovelha em seus ombros”, disse. “Ele quem carregava cada uma dessas irmãs. Então eu soube que tudo ficaria bem”.
O primeiro andar do centro de saúde se parece com os corredores dos demais lares de idosos nos EUA. Mas este daqui é demasiado silencioso; a maioria das irmãs que morreram vivia no segundo andar.
“Simplesmente não conseguimos descer ao primeiro piso ainda”, diz a Irmã Joyce. “Cada quarto tem uma história, e eles estão praticamente todos vazios”.
A Irmã Nancy esteve no primeiro andar. Disse que foi difícil.
“Têm tantos quartos vazios. Passamos pelo corredor e dizemos: ‘Aqui é o quarto da Luiza, aquele é o quarto da Patrícia’. Mas estão vazios”.
As irmãs que ainda vivem no primeiro andar têm lidado com as perdas extras. As irmãs do demais andares normalmente se dedicam a visitar os que aí vivem, mas agora só podem ficar de pé junto à porta. Como a maioria das irmãs do primeiro andar têm dificuldades de ouvir, quem visita o local hoje precisa falar alto ou gritar. Conversas por telefone dificilmente funcionam pelo mesmo motivo. Para umas das irmãs, o melhor a fazer é simplesmente ficar longe.
“O que as irmãs mais desejam é ficar juntas”, diz a Irmã Noel Marie. “Juntas na capela. Juntas para a Comunhão. Juntas para orar pela manhã e à noite. Para jantar. Porque é isso o que somos”.
O final de abril viu a perda de mais três irmãs. A Irmã Mary Alice Ann Gradowski, de 73 anos, morreu em 25 de abril. A Irmã Victoria Marie Indyk, de 69 anos, morreu no dia seguinte, em 26 de abril. E a Irmã Mary Martinez Rozek, de 87 anos, em 28 de abril.
A Irmã Mary Madeleine Dolan, de 82 anos, morreu em 10 de maio, exatamente um mês depois da Irmã Luiza. A Irmã Mary Danatha Suchyta, de 98 anos, uma das que se pensou ter sobrevivido à doença, morreu em 27 de junho em decorrência do vírus.
Houve dias em que as irmãs não tiveram certeza do que estava acontecendo realmente, em especial após semanas de quarentena. As mortes que foram anunciadas por interfone realmente haviam acontecido? Qual o nome que foi informado exatamente?
“Recebi um telefonema da Irmã Madeleine. Ela falou: ‘Eu não quero morrer’, lembrou a Irmã Bernadette Marie. “Essas foram as últimas palavras que ouvi dela. Dois dias depois, ela se foi”.
Além da quarentena, houve uma alteração na percepção do tempo.
“Uma irmã disse que perdeu três dias”, explica a Irmã Nancy. “Ela não faz ideia do que houve. Esses dias simplesmente se foram”.
A Irmã Mary Ann, presa em seu quarto isolada por cinco semanas quando estava adoecida, preferiria estar a conversar com as irmãs no hospital.
“Especialmente com Vicki. Conversei muito com ela” depois que ela foi para o hospital, disse Mary Ann. “Eu lhe falei: ‘Se você quer ir, está bem. Vá ficar com sua mãe’”.
Na manhã seguinte, porém, não estava claro no convento se a Irmã Vicki havia morrido ou se estava viva.
“Eu falei: ‘Preciso saber. Eu preciso saber se ela se foi’”, disse a Irmã Mary Ann.
Em seguida, a religiosa olhou para fora de sua janela e viu um pássaro enorme voando em sua direção. Quando se aproximou, ele estendeu suas asas e pareceu sobrevoar por uns instantes bem diante da janela.
“Hoje sei que era apenas um falcão voando aqui perto, mas, naquele dia, soube que a Irmã Vicki se encontrava em paz com o Senhor”.
“Vamos deixar o Espírito nos guiar”
No meio daquele mês terrível, as irmãs felicianas, do continente inteiro, realizaram um encontro por internet com as irmãs de Livonia. Elas traziam uma mensagem de conforto, de comunidade, uma mensagem de amor. Com uma apresentação em slides, lembraram as irmãs que partiram. As irmãs de Livonia disseram que choraram o tempo todo.
E quando tudo acabar, estas religiosas planejam realizar uma celebração da vida pelas treze irmãs perdidas. Elas não sabem o que a celebração vai acarretar nem quando poderão realizá-la, mas sabem o quão importante vai ser.
“Vamos deixar o Espírito nos guiar”, diz a Irmã Nancy.
Nesse meio tempo, tem ainda a semiquarentena que as religiosas estão tendo que passar. A última delas voltou de um isolamento que durou 28 dias; o grupo ainda convive com inúmeras restrições. Segundo a Irmã Serra, o estoque de coisas do dia a dia que cada religiosa mantém consigo já se esgotou.
“Estamos ficando inclusive sem as nossas barras de chocolates”, brincou a Irmã Joyce.
Mas ninguém delas irá às compras tão cedo.
“Vejo como um acordeon que pode se abrir e fechar e, nesse momento, o acordeon está bem fechado”, disse a Irmã Noel Marie. “Não podemos nos tocar umas às outras, não estamos dando abraços, não fazemos as coisas que costumamos fazer. Perdemos muita coisa, em um nível muito profundo”.
Fonte: Unisinos
Elas eram mestras. Uma era bibliotecária. Uma diretora de formação religiosa. Outra trabalhou de secretária na Secretaria de Estado do Vaticano. Uma outra escreveu um livro de história da congregação com 586 páginas. Uma era organista. Uma outra ainda ajudou uma turma de segunda série a escrever e gravar um comercial para a Campbell Soup Company. Uma era enfermeira e coordenava as viagens em missão de alunas de enfermagem ao Haiti.
A reportagem é de Dan Stockman, publicada por National Catholic Reporter, 20-07-2020. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Todas faziam parte da Congregação das Irmãs de São Félix de Cantalice, conhecidas como irmãs felicianas. Viviam juntas, rezavam juntas e trabalhavam juntas.
E em um mês terrível – da Sexta-feira Santa, 10 de abril, a 10 de maio –, doze irmãs morreram de covid-19. Outras dezoito irmãs do convento de Livonia, no estado do Michigan, adoeceram por causa do novo coronavírus também.
“Não conseguimos conter a dor e a tristeza, nem o impacto emocional”, diz a Irmã Noel Marie Gabriel, diretora dos centros clínicos de saúde da congregação religiosa na América do Norte. “Fizemos tudo o que tínhamos de fazer, mas aquele mês foi tudo extremamente difícil. Foi o nosso momento mais trágico. Um mês de tragédias, tristeza, luto e dor”.
Mas enquanto o mundo lida com as consequências econômicas e sociais da pandemia, sobreviventes têm revelado que o vírus pode causar um dano duradouro e que uma recuperação pode não significar a volta à saúde plena: uma das dezoito irmãs que inicialmente sobreviveram à doença morreu de seus efeitos em 27 de junho, fazendo dela a 13ª vítima do convento de Livonia.
Embora irmãs estejam morrendo ao redor do mundo por causa do vírus, ninguém tem monitorado estes dados. Reportagens mostram que, em 16 de julho, além das treze felicianas de Livonia, pelo menos dezenove outras irmãs faleceram nos EUA, incluindo uma irmã feliciana no convento de Lodi, em Nova Jersey; seis irmãs de duas comunidades de um convento na região de Milwaukee, em Wisconsin; e três irmãs Maryknoll em Ossining, Nova York.
No mundo, pelo menos 61 religiosas já morreram, entre elas 10 irmãs Combonianas no norte da Itália; 7 irmãs de Santa Cruz, em Montreal; 7 irmãs ursulinas na região de Montreal; 6 irmãs de Santa Ana, em Quebec; e 6 pequenas irmãs Missionárias da Caridade, no norte da Itália.
Nos Estados Unidos, as treze felicianas que morreram em Livonia podem representar, em número, o pior caso entre as comunidades religiosas desde a pandemia de gripe espanhola, em 1918. E por causa das restrições em vigor para evitar um retorno do vírus, o luto dessas irmãs ainda está por começar.
Todas as atividades comunitárias ou estão proibidas ou foram severamente limitadas. As irmãs não puderam ir aos funerais. Houve limites no número de pessoas autorizadas a entrar na capela. Elas não podiam entrar nos quartos umas das outras. Realizavam as refeições em mesas separadas, uma mesa para cada irmã; as jantas eram feitas em três turnos.
Desde 6 de julho elas já podem se sentar em duas por mesa. Mas todas as demais restrições ainda se aplicam.
A comunidade tinha 65 irmãs antes da pandemia. Hoje, as irmãs restantes temem o dia em que poderão se reunir em grupo e ver quantas não mais se fazem presentes.
“Sinto calafrios quando penso nisso”, diz a Irmã Mary Andrew Budinski, superiora do convento de Livonia. “A tristeza, pura e simples, ainda está por vir, penso eu”.
“Pareceu um incêndio florestal”
À medida que a pandemia avançou nos EUA em março, o mesmo ocorreu com as restrições no convento: sem visitas, sem saídas para fazer compras, sem atividades grupais.
Inicialmente, não se rezava mais a missa, só havia a celebração, sem missa, porque o padre não tinha a permissão de entrar no convento. Então, cancelaram-se as celebrações eucarísticas, e a Comunhão passou a ser distribuída às irmãs em seus quartos. Em 9 de abril, Quinta-feira Santa, até isso acabou.
Todas sabíamos que se o vírus atingisse o convento, seria péssimo. Mas não imaginaríamos que seria tudo tão rápido assim – Irmã Mary Ann Smith
A Irmã Joyce Marie Van de Vyver fala que as restrições continuaram, suprimindo a vida comunitária que estas irmãs tanto prezavam. Segundo ela, a Comunhão se tornou cada vez mais importante, deixando a vida ainda mais difícil quando a sua distribuição se encerrou.
“Temos um senso muito mais forte de crença e aceitação da validade da comunhão espiritual”, diz a irmã. “É tudo o que temos”.
A propriedade de 360 acres era o lar de 800 irmãs na década de 1960, mas a vida no convento, hoje, passou a centrar-se em torno da capela e de dois salões onde as irmãs vivem. Grande parte do edifício, que data de 1937, está sem uso.
O primeiro andar do Salão St. Joseph, ala de três pisos do convento, serve para as irmãs que precisam dos serviços de enfermagem 24 horas por dia. O segundo andar dedica-se às irmãs que precisam de alguma ajuda para realizar suas tarefas, enquanto o terceiro serve às que não dependem de ajuda.
Embora as visitas já estavam proibidas desde 14 de março, o convento continuou com os funcionários que realizam tarefas essenciais, entre eles as equipes de enfermagem, auxiliares de enfermagem e colaboradores para a alimentação. Depois, estes começaram a adoecer.
“Primeiro ouvi que dois auxiliares contraíram o vírus”, diz a Irmã Andrew. “Não sabemos quem eram, nem queremos saber. Depois, foram as irmãs do segundo andar, e daí pareceu um incêndio florestal”.
Na sequência, veio a primeira morte: A Irmã Mary Luiza Wawrzyniak, de 99 anos, na Sexta-feira Santa, 10 de abril.
Aí começou uma nova realidade. Quase todas as tradições que as irmãs guardavam quando uma delas morria precisaram ser suspensas. Elas puderam realizar o funeral, mas só dez tiveram permissão para comparecer. Aquelas que foram ao enterro, tiveram de ir em carros separados. Não houve abraços.
“Ainda não tínhamos entendido esse processo de oclusão que estava havendo”, diz a Irmã Joyce.
Quando irmãs adoeceram por causa da covid-19, as demais não puderam lhes dar os cuidados. Elas não podiam se ver, nem conversar ou dar conforto.
A fé que compartilhamos com as irmãs quando elas morrem, as orações que compartilhamos com as irmãs enquanto elas estão morrendo: sentimos a falta de tudo isso. Essas coisas afetaram a nossa vida religiosa – Irmã Joyce Marie Van de Vyver
A Irmã Nancy Jamroz, companheira de mesa da Irmã Luiza nas refeições, diz que ninguém sabia que a Irmã Luiza estava com o vírus. Ela foi ao hospital por palpitações no coração.
“Todo mundo dizia: ‘Em poucos dias ela vai estar de volta’”, lembra a Irmã Nancy. “A Irmã Luiza nunca mais voltou”.
Isso virou um padrão. Uma irmã ia para o hospital durante a noite porque não conseguia respirar, mas telefonaria pela manhã para dizer que estava se sentindo melhor e que estaria em casa em dois ou três dias. Depois vinha a notícia de que havia morrido.
“Era exatamente aquilo que ouvíamos sobre o vírus”, diz Nancy. “Ele é cruel e rápido”.
A comunidade perdeu outras quatro irmãs naquela primeira semana. A Irmã Celine Marie Lesinski, de 92 anos, e a Irmã Mary Estelle Printz, de 95 anos, morreram no domingo de Páscoa, 12 de abril, dois dias depois da Irmã Luiza. A Irmã Thomas Marie Wadowski, de 73 anos, veio a falecer em 15 de abril. Depois, a Irmã Mary Patricia Pyszynski, de 93 anos, no dia 17 do mesmo mês.
A Irmã Nancy diz que foi difícil aceitar aquilo que estava acontecendo com a comunidade. O isolamento necessário fez com que as religiosas soubessem das mortes de suas companheiras pelo interfone, no anúncio geral feito às 13 horas.
“Começamos a ficar sem reação”, diz ela. “Vem a notícia da morte número 8, depois mais uma outra... Ficamos sem ter como reagir”.
A falta de um encerramento perpetua o sentimento de que nada disso é real.
“Uma parte da nossa tradição é contar histórias da irmã que morre na noite em que realizamos a vigília, dividindo momentos felizes que tivemos juntas”, diz a Irmã Nancy. “Ganhamos um exemplar com sua biografia e um cartão sagrado, mas nada disso tem acontecido. Parece que esta porta ainda está aberta”.
A Irmã Joyce disse que quando a fé tem raízes na tradição, uma quebra nestas tradições parece mudar tudo. “A fé que dividimos com as irmãs quando elas morrem, as orações que dividimos com as irmãs enquanto elas estão morrendo: sentimos a falta disso tudo”, afirmou. “Essas coisas afetaram a nossa vida religiosa”.
“Nenhuma de nós é a mesma”
Fechar o convento era um anátema às irmãs. Elas dedicaram a vida ao serviço do outro. Assim, no dia 13 de março, um dia antes de fecharem as portas para o mundo exterior, dez das irmãs foram às escadas da capela e seguraram uma faixa para a comunidade de Livonia que dizia: “Estamos com vocês em oração”.
“Não estamos escondidas por trás dessas paredes”, diz a Irmã Joyce. “Sempre vamos estar orando pelo mundo e, especialmente, pelo povo de Livonia”.
Mas, hoje, as coisas mudaram, disse ela. “Agora é: ‘Irmãs, estamos orando por vocês’. O número de cartões e cartas que recebemos é inacreditável”.
As religiosas também acreditam que há outras pessoas a rezar por elas e que não podemos ver: as irmãs que faleceram.
“Têm dias que falo: ‘Deus, temos doze irmãs aí em cima, assim como os doze apóstolos”, disse a Irmã Joyce em 10 de junho, antes que o número de morte na comunidade subisse para treze. “Quem conheceu essas irmãs sabe que agora temos companheiras no céu. Elas olham lá de cima, certificando-se de que estamos bem”.
“Não penso que foi uma coincidência tudo isso começar na Quaresma, e que o pior momento tenha começado na Semana Santa”, diz a Irmã Mary Ann.
Não está claro ainda de que modo, mas cada uma das irmãs desta comunidade religiosa mudou.
“Não estamos tendo contato o suficiente, umas com as outras, para saber o quanto mudamos, mas posso dizer que somos pessoas diferentes do que éramos em março”, disse. “Nenhuma de nós é a mesma”.
Algumas delas, inclusive a Irmã Mary Ann, achavam que suas vidas não apenas estavam mudando, mas acabando. Mary esteve infectada desde meados de abril até o final de maio.
“Eu fiquei tão doente que rezei para o Senhor me levar, de tanto dor que sentia”, lembra a religiosa.
A Irmã Andrew também achou que havia chegado ao fim. Ela ficou doente durante um mês, de meados de abril a meados e maio.
“Realmente achei que iria morrer”, diz a irmã. “Eu me rendi. Dizia: ‘Deus, se quiser me levar, estou pronta’. Então me acordava no dia seguinte e ainda estava viva. Assim, de alguma forma, melhorei”.
Este vírus é, ao mesmo tempo, aleatório e rápido.
“Tivemos irmãs na casa dos 90 anos que sobreviveram, e irmãs muito mais jovens que se foram”, disse a Irmã Mary Serra Szalaszewicz. “O ministério delas acabou. As outras ainda devem ter algum ministério a realizar, alguma função ainda por fazer”.
As que sobreviveram, no entanto, não sabem o porquê.
“A gente se pergunta: ‘Por que estou aqui quando estas irmãs se foram?’”, diz Mary Ann. “Valorizo o tempo que ganhei, mas ainda não tenho certeza do que fazer com ele”.
A Irmã Bernadette Marie Jimkoski, que adoeceu durante todo o mês de abril, disse ser difícil ver algum significado nisso tudo.
“Quando fiquei doente, houve momentos em que fiquei furiosa com Deus. Tipo: ‘Por que está fazendo isso?’”, disse. “Houve momentos em que queria morrer”.
A comunidade perdeu três irmãs em três dias em meados de abril: a Irmã Mary Clarence Borkoski, 83 anos, em 20 de abril; a Irmã Rose Mary Wolak, 86 anos, em 21 de abril; e a Irmã Mary Janice Zolkowski, 86 anos, em 22 de abril.
Segundo a Irmã Andrew, nesses dias elas ouviam: “Outra irmã. Outra irmã. Outra irmã. Foi assustador”.
As felicianas contam com 469 irmãs em seis grandes conventos na América do Norte. Dessas, somente os conventos de Livonia e Lodi tiveram casos de covid-19. Lodi teve doze casos do vírus, com uma morte.
“Disso eu me orgulho”, falou a Irmã Noel Marie. “Porque soubemos o que fazer, pudemos salvar todas essas irmãs”.
Não foi fácil. Como o restante das populações de idosos, nós lutamos para receber os equipamentos de proteção individual necessários. Não somos um lar de idosos licenciado, então não estávamos no topo da lista dos que teriam prioridade”, disse. “Não que não pudéssemos comprar os materiais. Aconteceu que não havia material disponível para a venda”.
Apesar de não ser uma instalação licenciada, a Irmã Noel Marie diz que o cuidado que as irmãs recebem no convento é de alta qualidade.
“Creio que superamos as casas de saúde cinco estrelas”, diz a religiosa. “Temos níveis de excelência em nosso setor de pessoal. Também na longevidade dos funcionários. (...) Temos profissionais disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana, melhor do que muitas outras instalações do mesmo tipo. Adotamos as melhores práticas”.
O vírus também atingiu os funcionários que cuidam das irmãs. Uma irmã era suspeita de ter contraído o vírus, mas a enfermeira que a cuidava ficou do seu lado mesmo assim, apesar do risco de ela própria se infectar. Uma outra funcionária pegou o vírus, mas tinha um parente idoso em casa. Então, ela ficou no quarto dos convidados, no próprio convento, por algumas semanas até se recuperar.
E houve os voluntários, aqueles que, por vontade própria, vieram do país inteiro para trabalhar em um lugar onde a morte percorria os corredores.
“Uma dessas pessoas trabalhava com recursos humanos, mas era também auxiliar de enfermagem. Ela chegou aqui e foi direto para trabalhar. Essas pessoas deixaram suas famílias e se arriscaram por nós, no momento de auge do vírus”, diz Andrew.
Era como se elas nunca fossem para casa, trabalhando seis ou sete dias por semana.
A Irmã Noel Marie disse que não pensar sobre o assunto ajudou-lhe a passar por estes tempos difíceis. “Seguimos em frente”, disse a religiosa. “Precisávamos ajudar as irmãs a sobreviver e a proteger as irmãs que não haviam contraído o vírus”.
O que foi deixado para trás
Não pensar sobre a dor e apenas fazer o que precisa ser feito é um mecanismo comum que as pessoas utilizam para lidar com os momentos difíceis. Mas, a certa altura, o trauma deve ser tratado.
“Todos temos o estresse pós-traumático”, diz a Irmã Noel Marie. “Não uma síndrome do estresse pós-traumático pleno, mas alguns indícios dele. Não foi possível passar pelo momento de luto devido à urgência da situação. Agora, estamos tendo pesadelos, crises de ansiedade, angústia emocional”.
É preciso lidar com a provação, e as pessoas necessitam contar suas histórias, segundo a religiosa, o que não é fácil, pois elas não podem se reunir.
“Essa dor, esse luto e essas conversas, precisamos falar sobre tudo isso, compartilhar com as pessoas”, explicou a Irmã Noel Marie. “Dizemos: ‘Cada uma de nós tem uma história pessoal e temos a nossa história comum, e todas elas precisam vir à tona’”.
A Irmã Serra, quem, como a Irmã Mary Ann, esteve doente de meados de abril até o final de maio, falou que encontrou conforto na religião.
“Tenho uma imagem do Bom Pastor. É a imagem em que ele conduz a ovelha em seus ombros”, disse. “Ele quem carregava cada uma dessas irmãs. Então eu soube que tudo ficaria bem”.
O primeiro andar do centro de saúde se parece com os corredores dos demais lares de idosos nos EUA. Mas este daqui é demasiado silencioso; a maioria das irmãs que morreram vivia no segundo andar.
“Simplesmente não conseguimos descer ao primeiro piso ainda”, diz a Irmã Joyce. “Cada quarto tem uma história, e eles estão praticamente todos vazios”.
A Irmã Nancy esteve no primeiro andar. Disse que foi difícil.
“Têm tantos quartos vazios. Passamos pelo corredor e dizemos: ‘Aqui é o quarto da Luiza, aquele é o quarto da Patrícia’. Mas estão vazios”.
As irmãs que ainda vivem no primeiro andar têm lidado com as perdas extras. As irmãs do demais andares normalmente se dedicam a visitar os que aí vivem, mas agora só podem ficar de pé junto à porta. Como a maioria das irmãs do primeiro andar têm dificuldades de ouvir, quem visita o local hoje precisa falar alto ou gritar. Conversas por telefone dificilmente funcionam pelo mesmo motivo. Para umas das irmãs, o melhor a fazer é simplesmente ficar longe.
“O que as irmãs mais desejam é ficar juntas”, diz a Irmã Noel Marie. “Juntas na capela. Juntas para a Comunhão. Juntas para orar pela manhã e à noite. Para jantar. Porque é isso o que somos”.
O final de abril viu a perda de mais três irmãs. A Irmã Mary Alice Ann Gradowski, de 73 anos, morreu em 25 de abril. A Irmã Victoria Marie Indyk, de 69 anos, morreu no dia seguinte, em 26 de abril. E a Irmã Mary Martinez Rozek, de 87 anos, em 28 de abril.
A Irmã Mary Madeleine Dolan, de 82 anos, morreu em 10 de maio, exatamente um mês depois da Irmã Luiza. A Irmã Mary Danatha Suchyta, de 98 anos, uma das que se pensou ter sobrevivido à doença, morreu em 27 de junho em decorrência do vírus.
Houve dias em que as irmãs não tiveram certeza do que estava acontecendo realmente, em especial após semanas de quarentena. As mortes que foram anunciadas por interfone realmente haviam acontecido? Qual o nome que foi informado exatamente?
“Recebi um telefonema da Irmã Madeleine. Ela falou: ‘Eu não quero morrer’, lembrou a Irmã Bernadette Marie. “Essas foram as últimas palavras que ouvi dela. Dois dias depois, ela se foi”.
Além da quarentena, houve uma alteração na percepção do tempo.
“Uma irmã disse que perdeu três dias”, explica a Irmã Nancy. “Ela não faz ideia do que houve. Esses dias simplesmente se foram”.
A Irmã Mary Ann, presa em seu quarto isolada por cinco semanas quando estava adoecida, preferiria estar a conversar com as irmãs no hospital.
“Especialmente com Vicki. Conversei muito com ela” depois que ela foi para o hospital, disse Mary Ann. “Eu lhe falei: ‘Se você quer ir, está bem. Vá ficar com sua mãe’”.
Na manhã seguinte, porém, não estava claro no convento se a Irmã Vicki havia morrido ou se estava viva.
“Eu falei: ‘Preciso saber. Eu preciso saber se ela se foi’”, disse a Irmã Mary Ann.
Em seguida, a religiosa olhou para fora de sua janela e viu um pássaro enorme voando em sua direção. Quando se aproximou, ele estendeu suas asas e pareceu sobrevoar por uns instantes bem diante da janela.
“Hoje sei que era apenas um falcão voando aqui perto, mas, naquele dia, soube que a Irmã Vicki se encontrava em paz com o Senhor”.
“Vamos deixar o Espírito nos guiar”
No meio daquele mês terrível, as irmãs felicianas, do continente inteiro, realizaram um encontro por internet com as irmãs de Livonia. Elas traziam uma mensagem de conforto, de comunidade, uma mensagem de amor. Com uma apresentação em slides, lembraram as irmãs que partiram. As irmãs de Livonia disseram que choraram o tempo todo.
E quando tudo acabar, estas religiosas planejam realizar uma celebração da vida pelas treze irmãs perdidas. Elas não sabem o que a celebração vai acarretar nem quando poderão realizá-la, mas sabem o quão importante vai ser.
“Vamos deixar o Espírito nos guiar”, diz a Irmã Nancy.
Nesse meio tempo, tem ainda a semiquarentena que as religiosas estão tendo que passar. A última delas voltou de um isolamento que durou 28 dias; o grupo ainda convive com inúmeras restrições. Segundo a Irmã Serra, o estoque de coisas do dia a dia que cada religiosa mantém consigo já se esgotou.
“Estamos ficando inclusive sem as nossas barras de chocolates”, brincou a Irmã Joyce.
Mas ninguém delas irá às compras tão cedo.
“Vejo como um acordeon que pode se abrir e fechar e, nesse momento, o acordeon está bem fechado”, disse a Irmã Noel Marie. “Não podemos nos tocar umas às outras, não estamos dando abraços, não fazemos as coisas que costumamos fazer. Perdemos muita coisa, em um nível muito profundo”.
Fonte: Unisinos
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