Vaticano, 27 Out. 19 / 07:46 am (ACI).- O Papa Francisco celebrou a Missa Solene de encerramento do Sínodo dos Bispos para a Amazônia neste domingo, 27 de outubro na Basílica de São Pedro.
Durante sua homilia, o Santo Padre refletiu sobre três tipos de oração que se descrevem na Bíblia: a oração do fariseu, a oração do publicano e a oração do pobre.
A seguir a íntegra da homilia do Papa Francisco traduzida ao português:
HOMILIA DO SANTO PADRE
Eucaristia do XXX Domingo do Tempo Comum
no encerramento da Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Panamazónia
(Basílica de São Pedro, 27 de outubro de 2019)
Hoje, a Palavra de Deus ajuda-nos a rezar por meio de três personagens: na parábola de
Jesus, rezam o fariseu e o publicano; na primeira Leitura, fala-se da oração do pobre.
1. A oração do fariseu principia assim: «Ó Deus, dou-Te graças». É um ótimo começo, porque a melhor oração é a de gratidão e louvor. Mas olhemos o motivo – referido logo a seguir –, pelo qual dá graças: «por não ser como o resto dos homens» (Lc 18, 11). E dá também a explicação do motivo: jejua duas vezes por semana, enquanto na época era obrigado a fazê-lo uma vez por ano; paga o dízimo de tudo o que possui, enquanto o mesmo era prescrito apenas para os produtos mais importantes (cf. Dt 14, 22-23). Em suma, vangloria-se porque cumpre do melhor modo possível
preceitos particulares. Mas esquece o maior: amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22, 36-40). Transbordando de confiança própria, da sua capacidade de observar os mandamentos, dos seus méritos e virtudes, o fariseu aparece centrado apenas em si mesmo. Vive sem amor. Mas, sem amor, até as melhores coisas de nada aproveitam, como diz São Paulo (cf. 1 Cor 13). E sem amor, qual é o resultado? No fim de contas, em vez de rezar, elogia-se a si mesmo. De facto, não pede nada ao Senhor, porque não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito. Está no templo de Deus, mas pratica a religião do eu.
E além de Deus, esquece o próximo; antes, despreza-o, isto é, não lhe atribui preço, não tem valor. Considera-se melhor do que os outros, que designa, literalmente, por «o resto, os restantes (loipoi)» (Lc 18, 11). Por outras palavras, são «restos», descartados dos quais manter-se à larga.
Quantas vezes vemos acontecer esta dinâmica na vida e na história! Quantas vezes quem está à frente, como o fariseu relativamente ao publicano, levanta muros para aumentar as distâncias, tornando os outros ainda mais descartados. Ou então, considerando-os atrasados e de pouco valor, despreza as suas tradições, apaga as suas gestas, ocupa os seus territórios e usurpa os seus bens.
Quanta superioridade presumida, que se transforma em opressão e exploração, mesmo hoje! Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto dilaniado da Amazónia. A «religião do eu» continua, hipócrita com os seus ritos e as suas «orações», esquecida do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo. Até mesmo cristãos que rezam e vão à Missa ao domingo são
seguidores desta «religião do eu». Podemos olhar para dentro de nós e ver se alguém, para nós, é inferior, descartável… mesmo só em palavras. Rezemos pedindo a graça de não nos considerarmos superiores, não nos julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos e vilipendiadores. Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus.
2. A oração do publicano ajuda-nos a compreender o que é agradável a Deus. Aquele começa, não pelos méritos, mas pelas suas faltas; não pela riqueza, mas pela sua pobreza: não uma pobreza económica – os publicanos eram ricos e cobravam também injustamente, à custa dos seus compatriotas –, mas uma pobreza de vida, porque no pecado nunca se vive bem. Aquele homem reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua oração, feita apenas de sete palavras mas de atitudes verdadeiras. De facto, enquanto o fariseu estava à frente, de pé (cf. Lc 18, 11), o
publicano mantém-se à distância e «nem sequer ousava levantar os olhos ao céu», porque crê que o Céu está ali e é grande, enquanto ele se sente pequeno. E «batia no peito» (cf. 18, 13), porque no peito está o coração. A sua oração nasce do coração, é transparente: coloca diante de Deus o coração, não as aparências. Rezar é deixar-se olhar dentro por Deus sem simulações, sem desculpas,nem justificações. Porque, do diabo, vêm escuridão e falsidade; de Deus, luz e verdade. Foi bom – e vos agradeço, queridos padres e irmãos sinodais – termos dialogado, nestas semanas, com o coração, com sinceridade e franqueza, colocando fadigas e esperanças diante de Deus e dos irmãos.
Hoje, contemplando o publicano, descobrimos o ponto donde recomeçar: do facto de nos considerarmos, todos, necessitados de salvação. É o primeiro passo da religião de Deus, que é misericórdia com quem se reconhece miserável. Ao passo que a raiz de todo o erro espiritual, como ensinavam os monges antigos, é crer-se justo. Considerar-se justo é deixar Deus, o único justo, fora de casa. Esta atitude inicial é tão importante que Jesus no-la mostra com uma confrontação paradoxal, colocando lado a lado na parábola a pessoa mais piedosa e devota de então, o fariseu, e o pecador público por excelência, o publicano. E a sentença final inverte as coisas: quem é bom, mas presunçoso, falha; quem é deplorável, mas humilde, acaba exaltado por Deus.
Se olharmos para dentro de nós com sinceridade, vemo-los ambos em nós: o publicano e o fariseu. Somos um pouco publicanos, porque pecadores, e um pouco fariseus, porque presunçosos, capazes de nos sentirmos justos, campeões na arte de nos justificarmos! Isto, com os outros, muitas vezes dá certo; mas, com Deus, não.
Rezemos pedindo a graça de nos sentirmos carecidos de misericórdia, pobres intimamente. Por isso mesmo faz-nos bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos que somos pobres, para nos recordarmos de que a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior.
3. Assim chegamos à oração do pobre. Esta – diz Ben Sirá – «chegará às nuvens» (35, 17). Enquanto a oração de quem se considera justo fica em terra, esmagada pela força de gravidade do egoísmo, a do pobre sobe, direita, até Deus. O sentido da fé do Povo de Deus viu nos pobres «os porteiros do Céu»: são eles que nos abrirão, ou não, as portas da vida eterna; eles que não se consideraram senhores nesta vida, que não se antepuseram aos outros, que tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São ícones vivos da profecia cristã.
Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos nos testemunharam que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada, confiando em Deus. Ele é Pai e – diz ainda Ben Sirá – «ouvirá a oração do oprimido» (35, 13). Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez vilipendiadas ou silenciadas porque incómodas. Rezemos pedindo a graça de saber escutar o clamor dos pobres: é o clamor de esperança da Igreja. Assumindo nós o seu clamor, também a nossa oração atravessará as nuvens.
Fonte: ACI digital
Jesus, rezam o fariseu e o publicano; na primeira Leitura, fala-se da oração do pobre.
1. A oração do fariseu principia assim: «Ó Deus, dou-Te graças». É um ótimo começo, porque a melhor oração é a de gratidão e louvor. Mas olhemos o motivo – referido logo a seguir –, pelo qual dá graças: «por não ser como o resto dos homens» (Lc 18, 11). E dá também a explicação do motivo: jejua duas vezes por semana, enquanto na época era obrigado a fazê-lo uma vez por ano; paga o dízimo de tudo o que possui, enquanto o mesmo era prescrito apenas para os produtos mais importantes (cf. Dt 14, 22-23). Em suma, vangloria-se porque cumpre do melhor modo possível
preceitos particulares. Mas esquece o maior: amar a Deus e ao próximo (cf. Mt 22, 36-40). Transbordando de confiança própria, da sua capacidade de observar os mandamentos, dos seus méritos e virtudes, o fariseu aparece centrado apenas em si mesmo. Vive sem amor. Mas, sem amor, até as melhores coisas de nada aproveitam, como diz São Paulo (cf. 1 Cor 13). E sem amor, qual é o resultado? No fim de contas, em vez de rezar, elogia-se a si mesmo. De facto, não pede nada ao Senhor, porque não se sente necessitado nem em dívida, mas com crédito. Está no templo de Deus, mas pratica a religião do eu.
E além de Deus, esquece o próximo; antes, despreza-o, isto é, não lhe atribui preço, não tem valor. Considera-se melhor do que os outros, que designa, literalmente, por «o resto, os restantes (loipoi)» (Lc 18, 11). Por outras palavras, são «restos», descartados dos quais manter-se à larga.
Quantas vezes vemos acontecer esta dinâmica na vida e na história! Quantas vezes quem está à frente, como o fariseu relativamente ao publicano, levanta muros para aumentar as distâncias, tornando os outros ainda mais descartados. Ou então, considerando-os atrasados e de pouco valor, despreza as suas tradições, apaga as suas gestas, ocupa os seus territórios e usurpa os seus bens.
Quanta superioridade presumida, que se transforma em opressão e exploração, mesmo hoje! Os erros do passado não foram suficientes para deixarmos de saquear os outros e causar ferimentos aos nossos irmãos e à nossa irmã terra: vimo-lo no rosto dilaniado da Amazónia. A «religião do eu» continua, hipócrita com os seus ritos e as suas «orações», esquecida do verdadeiro culto a Deus, que passa sempre pelo amor ao próximo. Até mesmo cristãos que rezam e vão à Missa ao domingo são
seguidores desta «religião do eu». Podemos olhar para dentro de nós e ver se alguém, para nós, é inferior, descartável… mesmo só em palavras. Rezemos pedindo a graça de não nos considerarmos superiores, não nos julgarmos íntegros, nem nos tornarmos cínicos e vilipendiadores. Peçamos a Jesus que nos cure de criticar e queixar dos outros, de desprezar seja quem for: são coisas que desagradam a Deus.
2. A oração do publicano ajuda-nos a compreender o que é agradável a Deus. Aquele começa, não pelos méritos, mas pelas suas faltas; não pela riqueza, mas pela sua pobreza: não uma pobreza económica – os publicanos eram ricos e cobravam também injustamente, à custa dos seus compatriotas –, mas uma pobreza de vida, porque no pecado nunca se vive bem. Aquele homem reconhece-se pobre diante de Deus, e o Senhor ouve a sua oração, feita apenas de sete palavras mas de atitudes verdadeiras. De facto, enquanto o fariseu estava à frente, de pé (cf. Lc 18, 11), o
publicano mantém-se à distância e «nem sequer ousava levantar os olhos ao céu», porque crê que o Céu está ali e é grande, enquanto ele se sente pequeno. E «batia no peito» (cf. 18, 13), porque no peito está o coração. A sua oração nasce do coração, é transparente: coloca diante de Deus o coração, não as aparências. Rezar é deixar-se olhar dentro por Deus sem simulações, sem desculpas,nem justificações. Porque, do diabo, vêm escuridão e falsidade; de Deus, luz e verdade. Foi bom – e vos agradeço, queridos padres e irmãos sinodais – termos dialogado, nestas semanas, com o coração, com sinceridade e franqueza, colocando fadigas e esperanças diante de Deus e dos irmãos.
Hoje, contemplando o publicano, descobrimos o ponto donde recomeçar: do facto de nos considerarmos, todos, necessitados de salvação. É o primeiro passo da religião de Deus, que é misericórdia com quem se reconhece miserável. Ao passo que a raiz de todo o erro espiritual, como ensinavam os monges antigos, é crer-se justo. Considerar-se justo é deixar Deus, o único justo, fora de casa. Esta atitude inicial é tão importante que Jesus no-la mostra com uma confrontação paradoxal, colocando lado a lado na parábola a pessoa mais piedosa e devota de então, o fariseu, e o pecador público por excelência, o publicano. E a sentença final inverte as coisas: quem é bom, mas presunçoso, falha; quem é deplorável, mas humilde, acaba exaltado por Deus.
Se olharmos para dentro de nós com sinceridade, vemo-los ambos em nós: o publicano e o fariseu. Somos um pouco publicanos, porque pecadores, e um pouco fariseus, porque presunçosos, capazes de nos sentirmos justos, campeões na arte de nos justificarmos! Isto, com os outros, muitas vezes dá certo; mas, com Deus, não.
Rezemos pedindo a graça de nos sentirmos carecidos de misericórdia, pobres intimamente. Por isso mesmo faz-nos bem frequentar os pobres, para nos lembrarmos que somos pobres, para nos recordarmos de que a salvação de Deus só age num clima de pobreza interior.
3. Assim chegamos à oração do pobre. Esta – diz Ben Sirá – «chegará às nuvens» (35, 17). Enquanto a oração de quem se considera justo fica em terra, esmagada pela força de gravidade do egoísmo, a do pobre sobe, direita, até Deus. O sentido da fé do Povo de Deus viu nos pobres «os porteiros do Céu»: são eles que nos abrirão, ou não, as portas da vida eterna; eles que não se consideraram senhores nesta vida, que não se antepuseram aos outros, que tiveram só em Deus a sua própria riqueza. São ícones vivos da profecia cristã.
Neste Sínodo, tivemos a graça de escutar as vozes dos pobres e refletir sobre a precariedade das suas vidas, ameaçadas por modelos de progresso predatórios. E, no entanto, precisamente nesta situação, muitos nos testemunharam que é possível olhar a realidade de modo diferente, acolhendo-a de mãos abertas como uma dádiva, habitando na criação, não como meio a ser explorado, mas como casa a ser guardada, confiando em Deus. Ele é Pai e – diz ainda Ben Sirá – «ouvirá a oração do oprimido» (35, 13). Quantas vezes, mesmo na Igreja, as vozes dos pobres não são escutadas, acabando talvez vilipendiadas ou silenciadas porque incómodas. Rezemos pedindo a graça de saber escutar o clamor dos pobres: é o clamor de esperança da Igreja. Assumindo nós o seu clamor, também a nossa oração atravessará as nuvens.
Fonte: ACI digital
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