Cristãos perseguidos em mais de 20 países, denuncia relatório da AIS

Relatório da Ajuda à Igreja que Sofre sobre cristãos perseguidos 

A Fundação de direito Pontifício Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), apresentou na quinta-feira em Roma seu relatório anual, onde destaca a violência sistemática contra os cristãos. A situação se agrava em particular na África e no sul do continente asiático.

Marco Guerra - Cidade do Vaticano

"Vivemos em um estado de tensão permanente, porque em nossa mente sabemos que em algum lugar, em algum momento, haverá outro ataque. Ainda que ninguém saiba onde e quando”. As palavras do cardeal Joseph Coutts, arcebispo de Karachi, no Paquistão, que introduzem o relatório da Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), dão uma ideia do que significa estar entre um dos 300 milhões de cristãos que vivem em terras de perseguição. Participar de uma Missa, animar os eventos e as atividades pastorais de uma comunidade cristã, exibir símbolos religiosos ou simplesmente professar a própria fé,  tornam-se atos que podem colocar em risco a liberdade e até mesmo a própria vida em mais de 20 países onde vivem bilhões de pessoas.
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Perseguição multifacetada

"A perseguição religiosa pode assumir várias formas", escreve ainda o cardeal, "pode ​​traduzir-se em ataques brutais do Estado Islâmico (ISIS) no Iraque e na Síria contra cristãos e yazidis, ou pode assumir formas mais sutis, como discriminações, ameaças, extorsões, sequestros e conversões forçadas, negação dos direitos ou limitações à liberdade".

O cardeal Coutts se concentra, em particular, na situação na República Islâmica do Paquistão, onde os cristãos são uma pequena minoria em uma vasta população de mais de 200 milhões de habitantes. "Ao longo dos anos – conta ele - enfrentamos tudo que acabamos de descrever. Mas mesmo nos momentos mais difíceis, sempre encontramos força no encorajamento e no apoio que a Ajuda à Igreja que Sofre nos ofereceu”.

Perseguições entre 2017 e 2019

A Fundação do direito Pontifício quer dar voz a todos os cristãos oprimidos por meio do novo relatório "Perseguidos mais do que nunca. Foco na perseguição anticristã entre 2017 e 2019", apresentada na manhã de quinta-feira em Roma na Basílica de San Bartolomeo all’Isola. Um texto que examina os desdobramentos mais significativos nas áreas de maior preocupação devido às violações dos direitos humanos sofridas pelos cristãos nos últimos dois anos.

Agravamento da situação em Burkina Faso e no Sri Lanka

No período em análise, a situação está longe de ter melhorado e a lista dos países onde os cristãos sofrem aumenta com a entrada de Camarões, Burkina Faso e o Sri Lanka. Para o diretor da AIS, Alessandro Monteduro, os dois últimos representam os exemplos mais dramáticos desse novo cenário de perseguição anticristã, que encontra novas formas e novos territórios também em virtude da inadequação das estratégias adotadas até o momento.

Resposta militar não é suficiente

"Mesmo se necessária, a resposta militar não é o suficiente", explicou Monteduro ao VaticanNews, referindo-se à transferência de jihadistas do ISIS, derrotados no norte do Iraque e em grande parte da Síria, para outras áreas do mundo, principalmente África, sul e leste da Ásia.

Fundamentalismo na África em aumento

É sobretudo no continente africano, de fato, a nova frente do fundamentalismo islâmico, como evidenciado pelo fato de que dos 17 sacerdotes e uma religiosa assassinados no mundo em 2019, 14 foram assassinados neste continente. A situação em Burkina Faso se agravou no período considerado. Somente nos primeiros seis meses de 2019, 20 cristãos foram assassinados, incluindo 6 sacerdotes e um pastor. O sacerdote burquinense padre Roger Kologo se pronunciou na apresentação do relatório com seu testemunho: "É uma verdadeira caça aos cristãos, que são atacados durante procissões e expressões de sua fé e até mesmo atacados em suas casas e executados." O sacerdote resumiu a trágica escalada de ataques anticristãos iniciada justamente em sua diocese, a de Dori, na última Sexta-feira Santa e falou sobre seu amigo padre Joel Yougbare, sequestrado em 17 de março: "Na noite anterior ao seu sequestro jantamos juntos. Ele me disse que iria visitar uma comunidade em uma área remota. Ele sabia que era arriscado, os jihadistas estavam de olho nele e várias vezes o haviam seguido, mas ele não queria abandonar seus fiéis".

Do Sri Lanka, as relíquias do massacre na Páscoa

Também muito tocante foi o testemunho do reitor do Santuário de Santo Antônio em Colombo, padre Jude Raj Fernando, que falou dos trágicos momentos em que sua igreja foi atacada no domingo da Páscoa: "Vi meus fiéis mortos, ensanguentados, e me perguntei: meu Deus, por quê?" Agora, padre Fernando está comprometido em acolher e educar os órfãos daquele massacre e em fortalecer a fé dos sobreviventes e parentes das vítimas. "Não obstante os graves ferimentos recebidos - acrescentou -, permanecemos firmes em nossa fé que nos permite perdoar nossos perseguidores. Perdoamos, mas continuamos a pedir justiça para nossas vítimas”. Ao final de sua intervenção, o padre Jude Raj Fernando doou as relíquias das vítimas do massacre de Páscoa à Basílica de San Bartolomeo all’Isola. Entre os objetos contidos em uma teca, também a garrafa de água de uma das 48 crianças que perderam a vida no ataque.
Perseguições políticas continuam

Não há somente terrorismo islâmico, mas na Índia, por exemplo, nos últimos dois anos, foram registrados mais de 1000 ataques e mais de 100 igrejas foram destruídas por extremistas hinduístas. Depois, tem a perseguição política e governamental. Mesmo as melhorias verificadas nas relações diplomáticas entre os líderes das nações ocidentais e seus pares do governo, como os da Coréia do Norte ou China, não devem nos levar a pensar em melhorias nas condições dos cristãos nessas áreas, como observou em seu pronunciamento Alfredo Mantovano, presidente da AIS-Itália: "Não devemos nos iludir de que uma eventual redução de aquisição de armamentos ou de tratados de cooperação econômica corresponda, dentro das fronteiras, a uma diminuição da perseguição religiosa". Segundo várias estimativas, entre os 50 mil e 70 mil prisioneiros nos campos de detenção da Coréia do Norte, estão cristãos perseguidos por sua fé que sofrem toda forma de maus-tratos, incluindo assassinatos extrajudiciais.

Cardeal Sandri: facilitar o retorno dos cristãos ao Oriente Médio

O evento foi enriquecido pela intervenção do cardeal Leonardo Sandri, prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, que falou ao Vatican News sobre a situação dos cristãos no Oriente Médio e o compromisso da Igreja em ajudá-los a permanecer em seus países de origem:

R. – Nestas nossas regiões - e refiro-me sobretudo ao Iraque e à Síria - ainda existe o sofrimento de muitas populações, o retorno em alguns casos de cristãos, mas sobretudo a grande preocupação com o êxodo de cristãos ... Pode-se também temer um novo Oriente Médio sem cristãos, algo que o Papa Francisco denunciou como completamente contrário à história daquela região. Portanto, esperamos que após a queda do Estado Islâmico, realmente chegue um momento de paz. No entanto, os cristãos ainda são "pré-perseguidos" porque se encontram sem as condições mínimas para serem reconhecidos como cidadãos desses países com todos os direitos e deveres, e muitos são forçados a migrar devido à insegurança ou falta de trabalho.

Portanto, defender os cristãos significa defender a estabilidade do Oriente Médio?

R. – A estabilidade e o equilíbrio. Esses países são predominantemente muçulmanos, mas a presença cristã sempre foi uma presença que levou equilíbrio, porque a vida da Igreja é voltada sobretudo para procurar a glória de Deus, mas sobretudo manifestá-la no serviço aos irmãos e essa é uma característica cristã que se caracteriza em países de maioria muçulmana e que também se manifesta como um momento de equilíbrio social para todo o país.

Os cristãos podem retornar a alguns territórios, mas sempre há o temor de novas perseguições?

R. - Devo dizer que em alguns casos o retorno dos cristãos está ocorrendo, especialmente em Qaraqosh, no Curdistão iraquiano, e também há alguns pequenos sinais em Mosul. Mas, obviamente, esses são movimentos muito pequenos por enquanto. Em Qaraqosh, por exemplo, eu sei que retornaram os siro-católicos. Qaraqosh é sua principal cidade.

Há necessidade de um esforço em favor dos plenos direitos civis aos cristãos em alguns países do Oriente Médio que ainda não os concedem?

R. - Certamente, é o que nossos pastores orientais expressaram tantas vezes e também o Santo Padre expressou isso em alguns de seus discursos. Os cristãos não são cidadãos por concessão, por misericórdia, por tolerância: eles querem ser cidadãos plenos. Em todos esses países, mesmo sendo pequenas realidades do ponto de vista numérico, eles amam sua própria pátria e contribuem para o bem-estar e a elevação social de toda a população. E vemos isso em muitos países por meio dos missionários, isto é, os sacerdotes das diversas Igrejas, religiosas e leigos. Também vemos um compromisso por parte da comunidade católica do mundo, por meio das obras de ajuda a essas Igrejas.

25 outubro 2019

Fonte: Vatican News

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